Margarida Salomão: Abrindo caminhos para a mulher

Por Sandra Zanella - Repórter

 

 

 

 

 

Maria Margarida Martins Salomão esteve sempre na vanguarda. Ingressou na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) em 1968, como aluna da primeira turma de Licenciatura em Letras, em um ambiente predominantemente masculino. Foi a primeira mulher reitora da mesma instituição de ensino (1998 a 2006), onde dedicou 40 de seus 71 anos de vida à docência, com doutorado e pós-doutorado em Linguística na Universidade da Califórnia (EUA). A pesquisadora e professora emérita da UFJF também enfrentou o machismo no Congresso Nacional em seus dois mandatos como deputada federal (2013 a 2020). Para muitas pessoas, administrar o município onde nasceu e viveu pode ser a concretização de um ideal. Para Margarida, não. “Não vejo exercer uma função política como a realização de um sonho pessoal. Ser prefeita de Juiz de Fora é uma grande honra, mas, fundamentalmente, uma tarefa, um trabalho a ser executado. Na verdade, estar nesta cadeira significa estar sendo provada todos os dias. Vivemos um momento de muita dificuldade, e fazer a gestão da cidade é explorar as próprias possibilidades pessoais ao limite.”

 

A única mulher na história atual a ser eleita para chefiar o Executivo juiz-forano, com 54,98% dos votos válidos, o que representa 144.529 eleitores, sabe a dimensão da sua responsabilidade. “É uma situação notoriamente difícil, haja vista que sou a primeira, em quantos anos de história? A cidade se estabelece como tal em 1850. E só em 2021 é que ela vai ter uma mulher na posição de principal dirigente. Além disso, não sou apenas a primeira prefeita, fui a primeira mulher a se candidatar a prefeita em Juiz de Fora (2008). Depois disso, outras seguiram essa trilha”, destaca Margarida Salomão, durante entrevista em seu gabinete na Prefeitura. 

“Sendo a primeira mulher, sou cobrada como nenhum homem seria. Em segundo lugar, eu não posso errar”, dispara. Apesar de estar em uma posição extremamente desafiadora, Margarida acredita na força de suas realizações pessoais e profissionais, as quais levaram sua candidatura a ser postulada pelo PT. “Foi o Partidos dos Trabalhadores que, pela primeira vez na história da cidade, propôs uma mulher como candidata a prefeita.” Também estreando como representante da esquerda na posição de chefe do Executivo municipal, Margarida pondera que Juiz de Fora já havia elegido governantes populares, da social democracia. “É uma cidade que elegeu Itamar (Franco) duas vezes prefeito, e Tarcísio Delgado, três vezes.” 

À frente da Prefeitura, Margarida afirma buscar cumprir o programa “construído coletivamente” para fomentar um desenvolvimento igualitário, almejando uma cidade “em que todas e todos tenham condições de se manifestar”. “Isso fica claro, não só nas minhas prioridades, mas no fato de eu ter composto um secretariado que é paritário de gênero. É uma novidade, não só na cidade, como no Brasil. Isso também é um elemento político de muito potencial, na medida em que as mulheres podem exercer funções das quais elas historicamente foram excluídas. Evidentemente, você tem um governo com outra cara, com outro estilo e com outro impacto na sociedade.” 

Sem se esquecer dos avanços femininos na seara política, Margarida pontua que ainda há muito a se percorrer. “Deveria haver paridade de gênero no Congresso, na Câmara Municipal. Deveria haver muito mais mulheres na política. Entendo que estamos testemunhando e exercendo uma luta para que haja muitas mulheres eleitas. O ano de 2020 já mostrou isso, e não tenho dúvida de que nas eleições de 2022 muito mais mulheres serão eleitas.” Para aquelas que estão nesse caminho, ela incentiva: “Não desistam, vão à luta! Sejam eleitas e mudem o mundo. É para isso que a gente faz política.”

O risco à liberdade

Margarida Salomão começou a Faculdade de Letras na UFJF em plena ditadura militar. Parte de uma geração que procurou mudar o mundo, sempre flertando com a cultura, ela recorda de como era viver em meio a muitas restrições, sobretudo para as mulheres e, principalmente, em relação ao comportamento sexual e político. “Mas na época da universidade, o que mais me deixava aturdida era o risco à liberdade. Cansei de ver colegas e professores sendo retirados de aula por pensarem fora da ‘caixinha’, por serem considerados ameaças àquilo que no Brasil se impunha. Felizmente conseguimos, com luta, virar essa página, e hoje, no Brasil, somos defensores da democracia e do Estado de direito.” 

Cinquenta anos depois, as resistências continuam sendo “óbvias” para a primeira prefeita de Juiz de Fora. “O simples fato de termos esse ineditismo do qual estamos falando é uma ilustração clara da dificuldade que nós enfrentamos. Mas isso não significa que nós devamos desistir. No Brasil, hoje, temos um grande movimento das mulheres por ocuparem essas posições na política, que elas deveriam, há longo tempo, ter ocupado, exercido e, com isso, inclusive, mudado, em grande parte, o rumo da sociedade brasileira.” 

Para lidar com o machismo estrutural na vida profissional, a estratégia usada por Margarida é o trabalho. “Qualquer mulher que ocupe posições que historicamente foram de homens tem que trabalhar muito e, na medida do possível, ser melhor do que eles. Senão, eu não estaria aqui, seria um homem. Não é uma exclusividade desta função, é uma realidade ainda numa sociedade machista, dentro da qual nós vivemos. E a única forma de derrotar o machismo é enfrentá-lo: fazer aquilo que você entende que deva ser feito. No meu caso, cumprir o programa para o qual eu fui eleita. Ao persistir nessa luta eu, sem dúvida alguma, estou trabalhando diariamente para vencer o machismo.” 

"Deveria haver paridade de gênero no Congresso, na Câmara Municipal. Deveria haver muito mais mulheres na política. Entendo que estamos testemunhando e exercendo uma luta para que haja muitas mulheres eleitas. O ano de 2020 já mostrou isso, e não tenho dúvida de que nas eleições de 2022 muito mais mulheres serão eleitas."

Margarida Salomão

Direitos para todas as pessoas

Margarida é persistente, prova disso foi retornar à última disputa eleitoral para a Prefeitura de Juiz de Fora após três derrotas consecutivas no segundo turno. A mulher que gosta de conversar, ler e conviver com pessoas queridas nas horas vagas também coloca o verbo trabalhar entre suas preferências. 

“A história da minha vida é uma história de muito trabalho. Sempre fui muito dedicada àquilo que fiz. Fui muito empenhada nos meus estudos, tive uma trajetória acadêmica bem-sucedida e sempre me interessei muito pelas outras pessoas. Sou linguista, já é uma declaração pessoal do meu interesse pela fala dos outros e pelo modo como as pessoas se expressam, como se comunicam e como elas se colocam na sociedade. Esse meu entendimento, de que é necessário na vida lutar por aquilo que você acha importante, com certeza me levou a vida inteira.” 

Sem ter do que se arrepender, a Margarida do passado ficou para trás, embora toda sua bagagem, acumulada ao longo de décadas, esteja sempre presente, como um “acervo de aprendizados”. “Isso é um elemento com o qual eu conto. Na juventude, aprendi muito. Como dizia Drummond: ‘Viajei, briguei, aprendi’. Essa trajetória, com certeza, é uma parte de mim. Ou, talvez, seja aquilo que me constitua.”

Viver em um mundo no qual todas as pessoas tenham direitos é o que inspira a atual chefe do Executivo municipal. “E o principal direito, certamente, é à vida. Mas para que nós possamos viver, uma coisa muito importante é que nós sejamos capazes de compartilhar a riqueza que hoje produzimos, muitas vezes à custa da natureza. Acho que essas chuvas, malignas como são nesse momento, porque expressam o desastre climático, trazem à nossa consciência a percepção de que a riqueza do mundo é exaurível. O que não é exaurível é a imaginação, a inteligência, a capacidade humana de ser solidário. Essas coisas compõem essa utopia de um mundo que seja a casa de todos e de todas.”