Da esquerda para direita: Edimilson Pereira, Silvana Marques, Miss Brasil Gay, Carlos Bracher, Dnar Rocha, Carnaval, Francisco Brandão, Tatuagem de André Chorume, Painel de Stain, Feijão de Ogun, PretoVivo e Jessica Filippino
A pluralidade sempre marcou a expressão artística de Juiz de Fora. Há um grande destaque para novas formas de se fazer cultura em movimentos jovens como o Ballroom, que mistura a Vogue americana com o samba no pé, o grafite e o hip-hop no vão do Viaduto Helio Fádel, os cartazes do tipo lambe-lambe, a poesia falada das rodas de slam pelos bairros, as tatuagens e as artes plásticas.
A força da pintura de Dnar Rocha e Carlos Bracher ainda ecoa, iluminando todos esses caminhos, assim como a literatura de Murilo Mendes, Pedro Nava e, mais recentemente de Edimilson de Almeida Pereira, se estendendo ao Batuque Afro-Brasileiro de Nelson Silva, registrado como Bem Imaterial pelo valor histórico e cultural na divulgação da cultura negra. Festas tradicionais, a exemplo do Carnaval, do Miss Brasil Gay, da Festa Alemã, e do Feijão de Ogum só reforçam o caráter diverso e múltiplo da cidade que respeita as tradições com um olhar progressista no futuro.
Poeta, ficcionista, ensaísta, professor e pesquisador da cultura e da religiosidade afro-brasileiras, o juiz-forano Edimilson de Almeida Pereira é um dos autores mais premiados do Brasil. Recentemente, ele somou mais duas importantes láureas à sua coleção: o Prêmio São Paulo de Literatura 2021, com o livro “Front” e o segundo lugar no prêmio Oceanos, com “O ausente”.
Os reconhecimentos vieram na esteira de três livros que publicou quase simultaneamente e marcaram sua estreia na prosa ficcional para o público adulto. Em novembro de 2020, lançou “O ausente”, depois “Um corpo à deriva” e, logo em seguida, “Front”. As três obras são narrativas que pegam os personagens em situações-limite, à beira do abismo, conta o autor.
Edmilson é expoente atual de uma cidade que tem longa tradição na literatura. Murilo Mendes foi um dos grandes memorialistas da cidade e definiu Juiz de Fora como um “trecho de terra cercado de pianos por todos os lados” no livro “A idade do serrote”, que reflete sua infância na cidade. A literatura local tem como traço o memorialismo, tendo em Murilo Mendes e Pedro Nava seus dois grandes expoentes.
Entre os dias 7 e 11 de setembro, inclusive, a cidade vai respirar ainda mais literatura com a terceira edição da Feira do Livro de Juiz de Fora (FLIJUF) em pleno Parque Halfeld. O evento contará com programação cultural gratuita e a presença de autores de várias regiões do país. O destaque está na participação dos autores Itamar Vieira Junior e Eduardo Spohr. A feira conta com recursos do edital Murilão, da Funalfa.
Uma das manifestações urbanas mais potentes da atualidade é a cultura ballroom, que teve bailes (as balls) recentes, realizados pela juventude juiz-forana em espaços como o Teatro Paschoal Carlos Magno, o Museu Ferroviário e, no final de semana do Miss Brasil Gay, na Praça João Pessoa, em frente ao Cine Theatro Central. O grupo local Ballroom Kunt JF é comandado pela dançarina e mulher trans, Sol Mourão, e reúne uma juventude preta e periférica que se afirma nesses bailes, verdadeiros concursos de talentos, aonde eles participam de desfiles e batalhas de vogue, a dança urbana popularizada por Madonna na década de 1980.
A cultura ballroom surgiu nas periferias dos Estados Unidos como espaço seguro para jovens negros e LGBTQOAPN+. “Há uma tendência a abrasileirar as categorias da ballroom. A ideia é essa. É uma cultura ampla que surgiu com a proposta de incluir as pessoas, é sobre evidência. Por isso, os costumes do país entram na ballroom. A Batekoo, categoria de quebração de quadril, foi criada para isso, assim como o passinho, o funk, e o samba no pé que a gente colocou e é muito Brasil. O objetivo é construir uma ball que represente as pessoas e fale dos nossos costumes. O Brasil está construindo o seu ballroom”, conta Sol Mourão.
Uma artista que tem chamado a atenção com seus lambe-lambes, manifestação jovem da arte urbana, é Jéssica Felippino, 29 anos, que fez um enorme mural, no festival Mulheres no Volante, no Parque Halfeld, e também no Beco, no lançamento do disco da cantora e compositora Laura Conceição. É dela, aliás, a capa do disco, no qual criou o reflexo da artista no “Espelho” mencionado no título do álbum.
Jéssica é artista visual e colagista há quatro anos. “Meu trabalho tem como ponto de partida o feminismo, perpassando minha própria vivência e de outras mulheres que possam se reconhecer”, diz. Além das capas do disco e de singles de Laura, ela também assina capa de single de Tatá Dellon.
Juiz de Fora tem se destacado na cena nacional de poesia falada, os slams, com Laura Conceição que já venceu várias disputas. A cidade tem ainda outros expoentes, como PretoVivo, 22 anos, artista anteriormente conhecido como Yhoung S.M.O.K.E., e Sophia Bispo. Ambos participaram, ao lado de Laura, da última Slam BR, campeonato nacional da área, em 2021. Nesse ano, PretoVivo prepara a primeira edição do Slam JF, uma competição municipal de poesia falada, uma espécie de liga dos slams da cidade.
“Juiz de Fora é uma das cenas do slam com mais potencial para crescimento no nível nacional. Os poetas daqui são multi artistas com qualidade singular. O slam tem espaço, porque os poetas fazem sua correria para dar certo, criando seus próprios slams e arrastando a galera para prestigiar. Um exemplo é o meu, o Slam Griot, na praça de Santa Luzia, assim como o Slam de Perifa, em Santa Cândida, e o novo Espaço Hip Hop, no Viaduto Helio Fádel, que tem aberto espaço para mais slams”.
A mistura de elementos naturais e formas geométricas desperta olhares para o trabalho do tatuador juiz-forano André Xurume, 36 anos, do Crava Tattoo Studio, no bairro São Mateus. A mescla veio de pesquisa sobre os grafismos de culturas indígenas. Formado em Artes Visuais pela UFJF, ele tatua desde 2007.
“Por volta de 2015, comecei a estudar temas relacionados aos povos originários das Américas, o que despertou meu interesse pela arte, pelas cosmologias, pelas culturas e sociedades indígenas. Foi então que comecei a me aprofundar em pesquisas nas áreas de antropologia, ecologia, agroecologia, permacultura, bioconstrução e xamanismo”, explica. Esses estudos trouxeram essa nova perspectiva e o diálogo entre as tradicionais pinturas corporais e os grafismos indígenas.
Na instalação “Pan em Glória”, do artista Francisco Brandão, 27 anos, que esteve em exibição na mostra “Tantas Trajetórias”, no Memorial Itamar Franco, o público é convidado a interagir com portas repletas de fechaduras, cadeados e olhos mágicos. “Uma porta sem suas paredes separa, por prazer, apenas simbolicamente. O pânico do exterior garante ao interior a força das travas e cadeados – a arma contra a potência dos desejos alheios. O portal negocia a poética da passagem, da permissão, dos desejos secretos e do íntimo em público”, observa o artista.
A brincadeira está sempre presente no trabalho de Francisco que costuma revisitar brinquedos infantis da tradição mineira, como piões de grandes dimensões, petecas e pipas reinventadas. O artista fez seu primeiro pião há seis anos, logo após a morte da mãe, ao encontrar os brinquedos de sua infância em uma mala deixada como herança. Essa era uma das poucas brincadeiras “típicas de garotos” da qual gostava. Em 2016, ele cobriu o calçadão da Halfeld com asas brancas de gesso, na instalação “Ex-votos”.
Um dos nomes mais expressivos da cultura da Zona da Mata Mineira, o pintor Dnar Rocha ganhou mostra com 21 obras no Centro Cultural Dnar Rocha, localizado na Rua Mariano Procópio. A exposição marca os 90 anos de nascimento do artista, com obras que integram o acervo da expositora Zaira Martins e outras coleções particulares.
Com curadoria do supervisor de Artes Visuais do Programa Gente em Primeiro Lugar (Funalfa/AMAC), Carlos Elias de Souza, a mostra fica em cartaz até o dia 23 de setembro. A visitação é gratuita e livre para todos os públicos, de segunda a sexta-feira, das 8h às 16h. Nascido em Rio Pomba, em 1932, Dnar Rocha mudou-se com a família para Juiz de Fora em 1951 e, dois anos depois, iniciou sua formação artística na Sociedade de Belas Artes Antônio Parreiras. Ele morreu em 24 de novembro de 2006, aos 74 anos.
O artista juiz-forano Carlos Bracher está reunindo 25 obras em homenagem à cidade com a “Série Juiz de Fora: um Tributo à Terra Natal”. A primeira pintura foi a do Cine-Theatro Central, realizada durante apresentação da Orquestra Sinfônica Pró-Música, no último dia 2 de setembro.
O retrato da fachada do teatro é uma criação conjunta e interativa com 50 alunos da rede pública de ensino e de instituições sociais. Os dois quadros a serem criados têm proporção expressiva, ambos medindo 200x150cm. “Trata-se de um enlevo, uma forma encantada de permear a criação através da música. Cores e sons envolvendo-se em um tributo poético de nossas almas coletivas, as crianças e eu nesse universo pungente de se doar. Que as forças astrais nos conduzam”, diz.
Autodidata, o artista urbano Stain chama a atenção com painéis de grandes dimensões e notado valor cultural, como o da representatividade em cores, no vão do Viaduto Helio Fádel, com recursos da Funalfa distribuídos por meio de edital. O mural é uma exaltação a artistas LGBTQOAPN+ da cidade, como Laura Conceicao, MC Xuxú, Pekena Lumen, Caetano Brasil e Fernanda Muller, já pintados, e Femmenino (Nino de Barros) e Alessandra Crispin, que ainda serão adicionados, cada um deles em uma das cores do arco-íris.
É ali, no viaduto, que ele também criou, com a arquiteta Gabriela de Morais, o projeto Espaço Hip Hop, ocupando o vão com apresentação de DJs e batalhas de MCs e dançarinos de break, enfim, todos os elementos da cultura hip-hop. No próximo dia 11, das 13h às 18h, haverá ocupação do espaço com DJs, MCs e dançarinos. Por ali, já passou até gringo, como o americano DJ Fleg, um dos maiores da cena do break, de Baltimore (EUA), além dos locais Alex Paz e Anditaum.
A vitória da candidata do Rio de Janeiro, Leticia Valentinni, marcou a edição presencial do Miss Brasil Gay, em agosto, após dois anos de evento virtual em função da pandemia de Covid-19. Segundo estimativa dos organizadores, os eventos da Semana Rainbow injetaram R$ 7,5 milhões na economia da cidade. Enquete realizada pela Prefeitura de Juiz de Fora indica que 28,8% do público ouvido vieram de municípios, como Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Angra dos Reis, Barra Mansa, Cabo Frio, Macaé, Nova Friburgo, Petrópolis, São Lourenço e Taubaté, entre outros.
“Foi o momento de trazer o turista de volta a Juiz de Fora. Comércio aquecido, hotéis ocupados, bares e restaurantes cheios, amigos se reencontrando e a representatividade de todos os estados brasileiros, com suas misses e coordenadores”, analisa Michel Bruce, organizador do Miss Brasil Gay. “As 40 edições do concurso foram relembradas com shows maravilhosos, entre eles a super-estrela Gloria Groove”, completa André Pavam, coordenador nacional e diretor artístico do concurso.
É grande a expectativa pelo retorno dos desfiles oficiais das escolas de samba de Juiz de Fora. Pela primeira vez, desde 2014, a festa não será antecipada, e a Prefeitura já anunciou a instalação da Passarela do Samba na Avenida Brasil, entre as pontes das ruas Manoel Setembrino de Carvalho e Benjamin Constant. No grupo especial, Turunas do Riachuelo, Feliz Lembrança, Real Grandeza, Rivais da Primavera, Unidos das Vilas do Retiro e Mocidade Alegre prometem encantar o público e resgatar a festa que também é símbolo do pioneirismo de Juiz de Fora.
Fundada a partir do bloco carnavalesco “Feito Com Má Vontade”, em 1933, por ideia de José Oceano Soares, a Turunas do Riachuelo é a primeira escola de samba de Minas Gerais e a quarta do Brasil. Foi para competir com ela que, em 1939, foi criada a Feliz Lembrança, por Geraldo de Oliveira, recém-chegado do Rio de Janeiro. Mas foi nas mãos da família Carvalho, tendo à frente Euclides e seus filhos que a escola se desenvolveu. Divergências na diretoria da agremiação levaram à criação da Real Grandeza em 1966. O primeiro desfile no ano seguinte, quando não houve carnaval oficial, foi marcado pelo estilo bem-humorado da agremiação pela Rua Halfeld.
Após dois anos sem ser realizada, por causa da pandemia, a tradicional Festa Alemã do Bairro Borboleta, criada em 1969 e considerada bem imaterial da cidade, faz a sua 28ª edição, entre os dias 6 a 18 de setembro, na Rua José Lourenço. Segundo o organizador, Salcio Del Duca, serão mais de 140 atrações artísticas dos estados de Espírito Santo, Rio Grande do Sul e Santa Catarina. As famílias descendentes de alemães fazem receitas artesanais, típicas, como o joelho de porco defumado (eisben), salsichão defumado recheado de queijo coalho (currywurst), além de tortas doces.
A cena de dança na cidade não tem, ainda, um circuito de espetáculos artísticos, como explica a dançarina Silvana Marques, do estúdio que leva seu nome na Praça da Estação. “Falamos de profissionais que vivem de dança e viram professores. Hoje, a dança é matéria da rede municipal. São poucas cidades do Brasil que têm a dança no currículo. Temos um grande déficit ao não ter uma graduação na UFJF. Essa é a grande luta da nossa área. Implantar uma faculdade de dança na cidade”, analisa.
“Nossa cena é bem diversa e contempla diferentes modalidades, das danças urbanas à dança do ventre”, acrescenta o dançarino, Walmor Calado, que atua como professor na rede municipal há sete anos. Ele pesquisa e pratica danças urbanas e de matriz africana há mais de 15 anos, a exemplo de house e hip hop, assim como integra o grupo Remiwl Street Crew. Calado também é criador do Projeto AnDanças, que leva dança e cultura às periferias de Juiz de Fora. Artista e educadora, Letícia Nabuco está à frente do Diversão e Arte Espaço Cultural, na Rua Halfeld. “Sempre tivemos um movimento bem grande na cidade em dança, em cursos livres, projetos socioculturais e no ensino formal e, ao mesmo tempo, uma carência de um mercado artístico profissional e de capacitação na área”, observa.