Dionysia Moreira: A força da voz que vence barreiras

Por Cecília Itaborahy, sob supervisão da editora Luciane Faquini

 

 

 

 

 

Desde nova, Dionysia Moreira mostrou o que queria: cantar. Simplesmente. Independente de qualquer coisa. Porque, quando nasceu, seu pai já sabia que ela viria para complicar. A cabeça estava além, com os ouvidos atentos no que sua família ouvia, no que tocava no rádio, treinando a voz disciplinada que ela carrega até hoje, aos 90 anos. Mesmo impedida, escondida, ela foi cantar no rádio. Foi encantada e encantou, porque não quis nunca mais sair – e nem deixaram. Dionysia foi, por duas vezes, a melhor voz de Juiz de Fora. Fato é que ela foi para longe da música outras vezes, e, por mais longo que fosse o tempo, ela voltou. A família, sempre ao lado, tem contribuição inegável nesse trajeto.

É uma força que a impulsionou, agora, a pisar no palco do The Voice +, sendo a cantora mais velha de todas as edições brasileiras do programa. Desinibida e corajosa, ela perpassa pela vida com a certeza de que o melhor não tem idade para vir.

Tudo em Dionysia Moreira lembra um tempo áureo. A própria voz dela é tão confortável que logo já entrega o que ela só iria soltar ao final da entrevista: um canto potente, certeiro, totalmente intuitivo. Aos 90 anos, a cantora que já viveu muito quer viver mais: quer ser ouvida pelo mundo todo. Agora, sendo uma das participantes do The Voice +, reality show da TV Globo, esse processo se torna real.
O bairro onde mora desde que se mudou para Juiz de Fora, aos três meses, o São Bernardo, é testemunha dessa história, que passa a ganhar os holofotes, mas sem perder a simplicidade que lhe é cara. Ela, encantada, reafirma a todo tempo que sua voz, finalmente, alcançou outros horizontes. “Música mesmo nunca me faltou. E nem podia. Eu não aguentaria.” E ela foi insistente para viver disso. “A gente gosta de cantar, a gente gosta de cantar. Não adianta.” Dionysia é irredutível.

Vestida de azul, cheia de adornos, os cabelos feitos de maneira que dava para notar aquele contorno das escovas. Tudo milimetricamente pensado. Mesmo com dor no joelho – ela se remexia para se ajeitar no sofá -, estava de salto: um salto grosso, plataforma, de cor branca e detalhes dourados, que encaixava perfeitamente naquela cena. Dionysia prefere não se limitar às dores. Vê cor em todo canto. Assume que é vaidosa. Ainda assim, gosta do conforto da caminha dela, em sua casinha, ao lado de seu maridinho, o Clóvis, sua companhia favorita. Os “inhos”, no diminutivo, como ela os refere, demonstram mais apreço que minimização.

Dionysia já declara, logo de início, que não tem vergonha. Ela sempre cantou. Desde a escola já gostava de fazer as homenagens para as professoras ou cantar o Hino Nacional às segundas-feiras. Ela recorda que, quando mais jovens, seu pai e sua mãe gostavam de tocar violão e cantar algumas valsas. Ouvir música em sua casa também era corriqueiro. “Eu ouvia muito MPB quando era mais nova. Papai gostava muito de valsa. A mamãe também. Meu irmão gostava do Orlando Silva. Mas eu gostava mesmo, que era o que eu cantava arrumando cozinha, limpando casa, era do Vicente Celestino. Eu achava lindo aqueles gritos, apesar de eu não cantar gritando.” Além dos vinis, existia a rádio que, naquela época, recebia os principais nomes da música brasileira.

A melhor cantora de Juiz de Fora

Descobrindo que cantava, era na rádio que Dionysia queria estar. Entre ir escondida para cantar e entrar oficialmente como cantora na PRB-3, muitas águas passaram. “Eu posso dizer que minha vida é igual àquela novela que está passando agora”, ela acredita, apesar de esquecer o nome e qual exatamente é a novela.

Com detalhes, ela conta da relação de seu pai com sua vontade de cantar. Ele a proibia, é verdade, de exercer o que queria, mas ela não desistiu. Mesmo de maneira escondida, durante um tempo, até se tornar a cantora oficial da rádio, acabou conseguindo o que queria. Depois de ter sido eleita a melhor cantora de Juiz de Fora em 1956 e 1957, mais uma vez, foi para longe da música em 1958. Dessa vez, por vinte anos – talvez o tempo mais longo que ficou sem cantar. Seu primeiro marido também fez com que ela se afastasse da música.

Mas a família Moreira é muito unida. Uma de suas irmãs, logo após o primeiro companheiro de Dionysia falecer, vendo como ela estava, a reanimou para voltar aos palcos. Ela, então, como uma sina, voltou. “Eu fui e nunca mais saí. Canto até hoje.” O palco das rádios foi trocado pelos palcos dos bailes. Um disco todo seu só saiu em 2013, pela Lei Murilo Mendes da Fundação Cultural Alfredo Ferreira Lage (Funalfa), tendo como título seu próprio nome. “No meu CD, eu falei com meu marido, é um passeio musical que estou fazendo.” Nele, ela recorda alguns sambas antigos e músicas de compositores contemporâneos, com a produção assinada por Márcio Gomes.

No bairro, com o marido e a família

Oportunidades de sair de Juiz de Fora não faltaram. Mas ela não quis. Cantando, essas possibilidades surgiam, inclusive para se mudar para o Rio de Janeiro. “Viajo muito, mas quis ficar em Juiz de Fora. Eu recebi vários convites. Eu fiquei com medo de ir. Sei lá, Rio de Janeiro, não conhecia nada. A gente é mais roceira que moderna.” Depois surgiu oportunidade de ir para Belo Horizonte. Ela não foi também, continuou no São Bernardo. A verdade só revela depois: “Eu já tinha conhecido meu marido, minha filha. Prefiro ficar com ele na minha casinha”. Ainda assim, é uma mulher independente.

Agora, Dionysia acaba tendo que ir ao Rio de Janeiro para gravar o The Voice +, apesar de ficar entre o hotel e o estúdio, sem ver de perto as belezas naturais. A possibilidade foi pensada como um presente de aniversário da sobrinha, Ana Paula: 90 anos tem motivo de sobra para comemorar. Ana Paula inscreveu a tia, e o presente se concretizou.

 

“Eu sou uma pessoa independente. Eu, novinha, não tinha nem um tostão, mas já era independente. Agora, eu sou mesmo. Não dependo de ninguém para viver.”

Dionysia Moreira

Dionysia é como é, e inspira

Mesmo já tendo recebido aplausos pela vida toda, ainda não se acostumou com a fama de agora. “As pessoas me param nas poucas vezes que eu vou à rua.” Por ter 90 anos e a vitalidade daquela que fugia para cantar, ela parece ser especial. Ou, complicada, como dizia o pai logo que ela nasceu. “Alguns dizem que eu sou diferente. Eu não sei o motivo. Eu sou isso aqui que você está vendo. Muito alegre.” Mesmo sendo sempre assim, ela diz que é, sim, difícil ser musicista. Mas, vindo da voz de quem fez de tudo para continuar nos palcos, o recado que ela dá para finalizar a entrevista é quase um dever: “Eu acho que tem pouca presença de mulher na música. Mas vamos cantar. O negócio é a gente mostrar a nossa raça e garra na música. Não tem idade, não tem nada. A vida é nossa. A vida é da mulher.”