Maria da Assunção Calderano: Uma vida dedicada à educação emancipatória

Por Carolina Leonel - Repórter

 

 

 

 

 

 

 

Maria da Assunção Calderano, 61 anos, gosta de tocar piano e meditar. Ama aprender línguas e adora ver o pôr-do-sol. Estar com os filhos e viajar em família então, nem se fala. Professora que une a teoria à prática, ela buscou fazer a diferença nas comunidades em que se inseriu ao longo de sua trajetória profissional. Atualmente está aposentada da sala de aula, mas dedica-se à Casa de Clara, projeto social que fundou em 2018, junto ao marido Lecir. “Eu quero ver a direção da Casa de Clara formada completamente pelas mulheres do Bairro Graminha”, revela, ao falar sobre um dos seus sonhos atuais. Muito ligada à escola básica e à comunidade, também almeja uma escola justa e alegre, onde o ensino seja algo prazeroso e as condições das pessoas, valorizadas. Para ela, a emancipação do indivíduo deve ser uma luta cotidiana. 

Sua voz e jeito de falar já sugerem o que viria se confirmar com poucas horas de conversa: Maria da Assunção Calderano é uma mulher que acolhe. Sua fala sutil, mas precisa, é convidativa para um bom papo. Ou simplesmente para ouvir o que ela tem para contar. Gosta de falar, mas sabe do valor da escuta e do acolhimento. Professora aposentada da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Juiz de Fora, Sun, como é carinhosamente chamada por pessoas próximas, passou mais de 30 dos seus 61 anos em salas de aula. Parte deles, em escola básica. Foi durante o período que pôde vivenciar a Educação e descobrir que as práticas educacionais vão muito além dos muros da escola: é preciso uma escuta ativa para ouvir o que não é dito. “Quando a escola não presta atenção na comunidade ao seu redor, aquela é uma escola que pode ser dispensável. Na minha visão, do ponto de vista metodológico, teórico, conceitual e prático, quando você trabalha na educação e você não olha a pessoa em si, suas raízes, sua história e contextos, você é dispensável.” Assunção é categórica. Essa percepção, ela conta, se deu logo no início da sua carreira profissional. 

Após cursar o magistério em sua cidade natal, Senador Firmino, município mineiro que dista cerca de 150 quilômetros de Juiz de Fora, Assunção veio, aos 17 anos, para terras juiz-foranas, onde conseguiu seu primeiro trabalho como professora na Escola Estadual Juscelino Kubitschek, em Santa Luzia. “Quando me mudei para cá, ainda não tinha muita clareza de qual carreira seguir. O que eu sabia é que já tinha uma pegada muito grande para processos educacionais e por processos sociais, ainda sem ter muita clareza dessas definições”, lembra. Filha de Silá e Zequinha, Assunção revela ter herdado da mãe “essa coisa de querer cuidar das pessoas, ajudar as pessoas desfavorecidas e prestar atenção nas injustiças sociais”. Décima segunda filha de um total de 13, ela conta que aprendeu logo cedo o sentido do compartilhamento e que sempre recebeu dos pais os incentivos para os estudos. Já em Juiz de Fora, buscou aprimorar conhecimentos. Começou a cursar Ciências Sociais, curso que não chegou a finalizar. 

“Eu percebi que o curso de Ciências Sociais não me trazia todas as informações que eu queria. Eu ficava com essas questões de relação entre escola e comunidade, queria aprimorar os processos educacionais, para que eu pudesse entender melhor como fazer com que as crianças se sentissem mais motivadas ao estudo, trabalhar mais processos pedagógicos, então migrei para o curso de pedagogia”, lembra. Paralelo a isso, Assunção havia fundado, em 1983, junto a um grupo de jovens vinculados à paróquia de Santa Luzia, a Arco-Íris, primeira creche comunitária de Juiz de Fora. O projeto surgiu da percepção do grupo das necessidades da comunidade. “Com o amadurecimento da profissão, fui ficando mais atenta às necessidades das crianças, as visíveis e invisíveis. Muitos alunos deixavam de ir às aulas porque tinham de ficar em casa cuidando dos irmãos menores. Parte das mães não tinha com quem deixar os filhos para trabalhar”, lembra. Ao longo desse processo, conforme narra, as mulheres da comunidade foram se envolvendo e fizeram parte do projeto gestor da creche, cujas atividades funcionam até hoje.  

A experiência no Maranhão 

Era na prática diária que Assunção gostaria de atuar. Ao saber da oportunidade de uma vaga “que era a sua cara”, a professora hesitou pouco ao aceitar a proposta e partir para Imperatriz, no Maranhão. “Já o processo seletivo da vaga é algo que vale destacar, porque não foi uma prova, mas uma vivência de uma semana com a comunidade em que a gente trabalharia. Consegui a vaga para trabalhar um ano, mas acabei ficando cinco, porque o meu envolvimento com a comunidade foi muito grande.” O trabalho desenvolvido na periferia urbana de Imperatriz significou muito para Assunção. Primeiro porque, no âmbito profissional, intensificou ainda mais suas experiências com as práticas pedagógicas em comunidades e movimentos populares. 

“Foi um longo processo de trabalho com as pessoas daquela comunidade, de conscientização, escuta. Capacitamos mulheres para que entendessem os seus direitos. Foi nesse processo, por exemplo, que conseguimos, com mais de 78 organizações na cidade de Imperatriz, criar a Plenária Urbana de Imperatriz. Tínhamos centros educacionais, fazíamos encontros. Com essa história, Imperatriz foi a primeira cidade do país a apresentar emendas populares para a Constituinte de 1988. Conseguimos construir um diálogo focando na melhoria da cidade”, conta, sem disfarçar o orgulho de ter participado de mais uma experiência de trabalho coletivo. 

Também foi no Maranhão que Assunção conheceu um gaúcho, que veio a se tornar seu companheiro. De vida e de luta. “Encontrei Lecir em movimento popular, fazendo trabalho social e também lutando por um mundo melhor, assim como eu.” De volta a Juiz de Fora, casou-se e teve dois filhos, Rodrigo, 26, e Gabriela, 19. 

Fico impressionada com a força das mulheres que tenho conhecido de perto. São histórias de superação, de conquista, de terror, mas sempre superação. Não quero romantizar, há muitas dificuldades, lágrimas e dor, mas essas mulheres encontram forças para continuar. E quando elas reconhecem essa superação, por mais que seja doloroso, significa que já passaram pelo período da vivência e isso tem uma marca muito grande

Assunção Calderano

A volta para Juiz de Fora e a fundação da Casa de Clara

De volta a Juiz de Fora, Assunção terminou seu ciclo acadêmico sem perder o vínculo com as escolas básicas. “Trabalhei esses anos todos na área de pesquisa educacional, sempre buscando aprender com os orientandos, com os alunos, compartilhando vivência. Não acredito em uma proposta pronta de ensino, é preciso dialogar com os alunos, perceber o que eles têm a dizer e quais são suas demandas também.” Em 2017, aposentou-se da sala de aula, mas só da sala de aula. Ainda havia gás para continuar o trabalho que, para ela, também é um projeto de vida.

 No ano seguinte, ela e Lecir resolveram colocar em prática um sonho de Assunção. “Eu queria desenvolver um trabalho na periferia com mulheres, que envolvesse educação, arte e economia solidária”, conta. Foi nessa seara que fundou com o marido, e com a contribuição de amigos e colegas de trabalho, a Casa de Clara. O local promove ações de apoio a famílias em situação de vulnerabilidade social no Bairro Graminha, Zona Sul de Juiz de Fora e se propõe a ser um espaço de acolhimento, escuta e valorização de mulheres.

“Eu fico impressionada com a força das mulheres que tenho conhecido de perto. São histórias de superação, de conquista, de terror, mas sempre superação. Não quero romantizar, há muitas dificuldades, lágrimas e dor, mas essas mulheres encontram forças para continuar. E quando elas reconhecem essa superação, por mais que seja doloroso, significa que já passaram pelo período da vivência e isso tem uma marca muito grande”, avalia. Para ela, nesse processo de acolhimento e escuta, reverbera o respeito e a sororidade. 

“Mas não o respeito de forma passiva”, adverte. “É preciso buscar descobrir recursos de escuta, formas de compreender os mecanismos que operam na mente, na vivência destas mulheres que fazem com que entendam certos comportamentos naturais. Nisso, o realismo crítico me ajuda a traçar recursos metodológicos”, explica a professora, que se especializou na área. Para Assunção, todo esse processo faz as pessoas se conectarem, o que para ela é essencial para as relações humanas em todas as áreas. “A educação transformadora é a forma de conexão mais profunda com as pessoas. É preciso que isso aconteça, e eu procuro vivenciar isso”.